Percepções dos médicos a respeito do aconselhamento genético do câncer: o exemplo do câncer colorretal

Raphaela Martins Muniz Moreira, Débora Gusmão Melo

Resumo


No Brasil, estima-se o aparecimento de 500.000 novos casos de câncer por ano, dos quais 10% têm caráter hereditário. O câncer colorretal (CCR) ocupa a 3ª posição dentre as causas de morte por neoplasias e aproximadamente 30% destes tumores são hereditários. Nos últimos anos houve importantes avanços no conhecimento a respeito dos cânceres hereditários e, em especial, do CCR, o que impactou em sua mortalidade e taxa de sobrevivência, impondo o preparo dos médicos para incorporação desses avanços no cuidado à saúde. Este estudo objetivou avaliar as percepções dos médicos do município de São Carlos, SP, acerca da genética do câncer em geral e do CCR em particular. Em última instância, pretende-se colaborar para um programa eficiente de educação permanente dos profissionais de saúde, contribuindo para construção de uma linha de cuidado integral para pacientes com doenças genéticas. Trata-se de estudo descritivo, para o qual foram convidados a participar os 325 médicos com cadastro ativo na Associação Médica de São Carlos, nos anos de 2010 e 2011. Os participantes da pesquisa preencheram um questionário semi-estruturado, composto por 10 questões abertas e 5 fechadas. A análise dos resultados foi realizada para cada um dos questionários pelas duas pesquisadoras e, a partir das respostas aos questionários, elencaram-se tópicos de acordo com os conhecimentos aos quais se referiam. Participaram do estudo apenas 10 médicos, o que reflete uma baixa adesão entre os possíveis sujeitos da pesquisa. O ano de graduação dos participantes variou entre 1976 e 2005. Da análise dos questionários respondidos apreenderam-se alguns enunciados: (1) “gene” foi conceituado primordialmente em função da sua composição bioquímica e de forma estática, sem que os processos moleculares mais recentes tenham sido incorporados nos discursos; (2) a relação entre genótipo-fenótipo foi descrita como “causa-efeito” e “variedade de expressão do gene”, a influência do ambiente nesta interação esteve contemplada em parte dos questionários; (3) a etiologia genética do câncer apareceu como uma referência constante nos discursos, embora a fisiopatogenia do câncer hereditário e a distinção entre câncer esporádico e herdado não estejam claras, parecendo existir uma confusão conceitual entre câncer hereditário e agregação familiar de câncer; (4) houve reconhecimento da importância da anamnese, da histórica familiar e dos testes genéticos moleculares para o diagnóstico de câncer hereditário, apesar de terem sido citados exames sem utilidade para o diagnóstico; (5) houve reconhecimento das principais características associadas aos cânceres hereditários; (6) o fato do CCR hereditário predispor ao aparecimento de tumores extracolônicos foi consensual, e a relação entre a alta mortalidade do CCR e o diagnóstico tardio foi pouco explicitada. Estes resultados podem orientar um plano de educação permanente dos profissionais médicos já formados, em relação às descobertas recentes da genética e do aconselhamento genético do câncer.


Palavras-chave


Aconselhamento Genético. Oncologia. Câncer colorretal. Educação Médica.

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