Resenha da Revista ETHNOS BRASIL Ano VI no.1
Resumo
A revista ETHNOS BRASIL é uma publicação do NUPE - Núcleo Negro da UNESP para Pesquisa e Extensão - e tem como principal foco temático para as suas edições a sociedade e as culturas brasileiras, a etnicidade e a diáspora africana. Nesse sétimo ano de publicação, a revista apresenta treze artigos e duas resenhas que abordam diversos temas no foco descrito. A revista se apresenta com um bom design e de visual bastante agradável e de fácil percepção. Em seu artigo inicial, o autor apresenta e discute a Desqualificação Social dos Afrodescendentes, com uma pertinente análise da trajetória histórica do Negro nesses mais de 120 anos de abolição da escravatura. Procurando problematizar a natureza do racismo brasileiro e sua influência no conjunto do modo de vida urbano. Evidencia de modo claro que as 120 anos da abolição da escravatura no Brasil, apesar de se fazer distantes aqueles tempos, não conseguiu eliminar da mentalidade da sociedade traços discriminatórios e racistas de quase quatro séculos de regime escravista. De forma não menos esclarecedora e não menos intenso em suas argumentações, no artigo intitulado Para além do racismo: o reconhecimento através da intelectualidade negra brasileira atual, o autor sustenta que há em curso a formação do pensamento anti-racista na sociedade brasileira a partir da produção do "conhecimento especificamente negro" na atualidade que se caracteriza pela luta do seu reconhecimento em bases epistemológicas não eurocêntricas. Conclui de maneira intensa suas assertivas ao afirmar que "a agenda do anti-racismo no Brasil está fortemente marcada pela ação da intelectualidade negra brasileira". Ao seu modo, o artigo Redes da Resistência: discutindo o papel das associações negras no Brasil escravista do século XIX, revela, para aquele momento, o que chamou de "rede social de resistência" no contexto escravagista pernambucana. Esse autor se torna particularmente interessante ao discutir a relação e a aceitação da igreja católica com os rituais das irmandades negras naquele momento histórico. Nessa mesma direção, na busca do reencontro pela identidade, o autor de Volta a áfrica: (re) africanização e identidade religiosa no Candomblé paulista de origem Bantu, mostra terreiros, cujos pais-de-santo procuram resgatar a identidade afro brasileira-bantu por meio de rituais de religiões africanas do norte de Angola. Por outra ótica, mais reflexiva, tangenciando uma abordagem epistemológica dos processos de significação e ressignificação de identidade, o texto Reflexões sobre a configuração das identidades na modernidade tardia: o caso da classe média negra discorre sobre conceitos e fundamentos no estado de direito e nas sociedades de classes. A ótica sociológica da autora permite transitar por teorias cujos argumentos dão sustentação a sua discussão sobre identidades em diferentes contextos. Dessa discussão étnicorracial, histórica, ideológica e critica para uma situação oriunda de um fim melancólico e perverso para o escravismo no Brasil com o negro entregue à sua própria sorte, esse volume da Ethnos Brasil vai, por outro enfoque, das concepções e buscas identitárias, vasculhar outros campos de entendimento de situações que possibilitam o esse resgate de si, enquanto indivíduos com identidade própria, e de seus pares, identitários pela ancestralidade e descendência. Na complexidade da língua portuguesa parece-nos natural o surgimento de palavras que trazem concepção complexas, nesse contexto entendo a concepção de processos de construção identitários como o conjunto de elementos e fatores pertinentes a preservação dos povos e das suas respectivas culturas, com vista a um desenvolvimento que se sustenta no direito à diferença e no direito dos povos a disporem de si mesmos. De sua história, de sua cultura com suas tradições de seus modos de vida e de suas mentalidades. Não distante disso o texto que trata das Representações de ex-alunos sobre relações raciais no Brasil, procura, na interpretação das manifestações que representam as relações raciais nos seu meio, compreender em que grau essas visões convergem ou divergem daquelas sistematizadas na produção do intelectuais brasileiros e brasilianistas. Para essa autora, "a lógica de construção das visões dos ex-alunos coloca em movimento ideologias, utopias, cultura (s), diferenças étnico-raciais" (sic). O conjunto dessas analogias e reflexões aqui apresentadas se nos apresentam de forma tácita uma intensa busca por respeito e por espaços que em nossa sociedade o negro tem, por direito, mas não de fato. No estado democrático de direito precisamos reconhecer que ações afirmativas são instrumentos legítimos para uma política igualitária. Assim se podem ler o texto, cujo título homenageia e dá deferência ao original de Boaventura de Souza Santos, As ações afirmativas: as pessoas têm direito a serem iguais sempre que as diferenças as tornarem inferiores. Aqui o autor parte de esclarecimentos sobre esse conceito e apresenta uma discussão que argumenta sobre o porque desse tipo de ação. De maneira fortemente fundamentada, constrói uma trajetória argumentativa desde a concepção enquanto ação política até sua atuação no campo da educação. Apresenta dados que além de evidenciarem a discrepância entre os brancos e os negros, se destacam de forma negativa e desfavorável para os negros. Com esses dados, segundo esse autor, fica evidente a necessária responsabilidade educativa e acadêmica para com esse segmento da sociedade na parte que lhe diz respeito nessa dívida social histórica. Como pressuposto, há um objetivo claro nas discussões apresentadas, mostra o autor, "enfrentar e combater as desigualdades (mas não a diferença) nas suas múltiplas origens e, de forma particular, as de origem racial é um preceito ético-político-social e uma obrigação estatal" (sic). Enquanto relato de esforços no sentido da provocação ao debate e na intenção de disseminar um ideário temático sobre o Negro, o texto II Concladin - 2009: ousadia, inovação e compromisso com o ensino, a pesquisa e a extensão, "consolida e amplia contatos de intercâmbio com pesquisadores, intelectuais e agentes sociais que trabalham em diversas partes do mundo" e têm refletido sobre a temática do Negro e da Diáspora africana. Com um ecletismo temático assim posto, quero intencionalmente dar o meu destaque pessoal ao texto Amadou Hampaté Ba: pensamento, escrita e identidade, que nesse complexo campo, no âmbito desse volume, traz a componente diferenciada para essa discussão: a questão da escrita. Com uma qualidade textual destacada os autores transitam, com um recorte literário bastante peculiar, que mostra, por meio da história de Amadou Hampaté Ba, elementos dos mais importantes no pensamento histórico cultural africano. Com uma narrativa primorosa, apresentando um tom quase poético, vão construindo a trajetória que conecta o meio de comunicação exclusivamente oral ao mundo da escrita. Mostra um universo com absoluto predomínio da oralidade que atribui um valor imenso à palavra a ponto de conceber a mentira dita "uma verdadeira lepra moral, cabendo àquele que falta à palavra uma espécie de morte civil, religiosa e oculta". A habilidade de Hampaté Ba se evidencia ao possibilitar a composição de um texto escrito em sua auto biografia explorando intencional e persistentemente "o sentido de que a palavra contém em si forças ocultas e poder mágico". Ela traz, em si, não apenas o seu valor moral, mas fundamentalmente o seu caráter sagrado. Destacando o valor absoluto do respeito as tradições e à cultura de um povo na postura impar desse importante intelectual e escritor Hampaté Ba.
A revista Ethnos Brasil, tem dois outros tópicos, mais com sentido de divulgação dos trabalhos, sendo um denominado de "Em Foco", onde apresenta resumos de teses defendidas que tenham como temática central a questão do negro ou assuntos de interesse dos grupos envolvidos nesse debate. Outro que apresenta Resenhas de obras também de interesse desse grupo. Este voluma da revista Ethnos Brasil está, mais uma vez, nos convidando à reflexão sobre questões ainda por serem discutidas para sua melhor compreensão e, a parir de então, termos elementos consistentes para buscarmos soluções para embates ainda mal compreendidos e, em muitos casos, mal encaminhados.
Palavras-chave
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